terça-feira, 12 de abril de 2022

MEDIDA PROVISÓRIA – entre presentes distópicos e caricaturas | CRÍTICA


Medida Provisória conta um futuro próximo onde o governo brasileiro pretende reparar os danos da escravidão mandando todos os negros do país para o continente africano. Como símbolo de resistência, Antonio (Alfred Enoch, de Harry Potter e How To Get Away With Murder), Capitu (Taís Araújo) e André (Seu Jorge) permanecem em seu apartamento e se negam a serem deportados. Como estreia de Lázaro Ramos na direção, o longa encontra barreiras caricaturais de texto teatral e esbarra em caricaturas para tema tão importante como o racismo no Brasil.

A premissa é muito interessante, mas segue o aviso: para embarcar na história, poderíamos imaginar que é necessária uma alta dose de suspensão de descrença, porém com os tons soturnos da política de extermínio do povo preto brasileiro é um universo não tão distante. O filme assume um tom caricatural nos primeiros minutos, principalmente no personagem de André (Seu Jorge), vivendo um jornalista com respostas rápidas e sacadas perspicazes demais para não parecer um roteiro na boca do personagem.


É importante salientar que o filme busca uma abordagem universal dos temas, portanto as críticas e ironias do texto são pouco sutis. O meme "esse filme é feito para pessoas inteligentes" é quase que levado ao máximo aqui. A reunião de condomínio que expõe os vizinhos do trio protagonista traz uma sucessão de estereótipos tão escancarados que soa cômico.


O ponto alto do filme são as sequências de ação com uma boa dose de tensão, uma pena que passa rápido e logo depois voltam para uma pseudo-análise social. Alfred Enoch ainda tropeça um pouco no português, soando teatral até no meio de atuações bem acima do tom; por outro lado, Seu Jorge é um dos grandes atores brasileiros dos nossos tempos e sobrepõe todos que dividem a tela com ele.


A estreia na direção de Lázaro Ramos apresenta aspectos interessantes e ao mesmo tempo alguns sinais normais a uma estreia. Tecnicamente, o filme tem bons aspectos de fotografia, trilha sonora e um design de produção que, se não é dos maiores destaques, ainda assim, convence na maioria da rodagem ao mesmo tempo em que os pontos mais incômodos estão na montagem e no tom, o que agrupa também o desenvolvimento dos personagens.



Em comparação com outro grande ator que estreou como diretor em 2021, Wagner Moura e seu Marighella tinham um valor de produção muito maior e aspectos técnicos melhor desenvolvidos, mesmo que seu maior erro também tenha sido no tom e em uma cinematografia confusa. Na comparação inicial, mesmo que isso não seja uma disputa, Wagner larga pouco a frente de Lázaro, mas o material base de um era sensivelmente melhor que o do outro.


Assim como Marighella não era um filme comunista, mas sim sobre um comunista, Medida Provisória quer imaginar um mundo racista, sendo que o mundo em que vivemos já é racista o suficiente para uma análise crítica. Essa crítica não pretende entrar em spoilers, mas há um exemplo do tom em uma cena de montagem paralela onde um personagem branco e um negro morrem, um após uma confusão em um dito "afrobunker" e outro pela violência policial, dando a entender que são dois lados de uma mesma moeda – um detalhe de péssimo gosto e que escancara exatamente o que digo acerca dos erros de tom do filme.


Medida Provisória
é daqueles filmes que, quando escolhemos assistir, já queremos gostar: a estreia na direção de um ator amado por todo o país, um elenco repleto de personalidades incríveis e com uma premissa que pretende levantar muitos debates. uma pena, porém, que vá para um lado próximo do escrachado e não aprofunde realmente no sistema de eliminação dos pretos brasileiros. Apesar dos potenciais desperdiçados, é importante que mais filmes com temas parecidos sejam feitos, portanto, vale a experiência de ir ao cinema.




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