Enquanto o medo popular alimentado por narrativas (e pelo próprio original de 1999) sobre o mundo virtual soa datado aos padrões atuais de 2021, Matrix Resurrections considera muito do que vivenciamos na Internet de lá pra cá. Do conforto dado pelos meios eletrônicos que faz a ingestão pílulas azuis parecer mais sensata do que encarar a realidade hostil, o fato de consumirmos um estilo de vida de coisas repetitivas (daí a questão do loop) e até o perigo que bots podem representar (e o fizeram, se lembrarmos das estratégias digitais de um certo "gabinete do ódio"), Lana, ainda assim, já não é mais fatalista como no passado.
(© Warner Bros. Pictures/Divulgação) |
Daí a revisão à trilogia. Se, em 2003 parecia ser quase um beco sem saída para qualquer chance de continuação, a distância dada pelo tempo permite à diretora revisitar seus materiais icônicos com carinho ao passo em que estabelece uma reflexão metalinguística sem parecer pedante ou elitista – ou psicótica, tal como J.J. Abrams tratou sua passagem por Star Wars. Inserções e projeções de passagens dos filmes anteriores servem tanto para lembrar espectador e protagonista de um passado talvez esquecido e até falas marcantes são resgatadas também – seria uma homenagem àqueles fãs que adoram decorar diálogos?
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No mais, enquanto o elenco está impecável (e é sempre bom ver parte da turma de Sense8 reunida de novo), o filme é de uma beleza estonteante justamente por se desprender do visual esverdeado que lhe era quase um dogma e, agora, a direção de fotografia de John Toll (Cloud Atlas) e Daniele Massaccesi realça as cores tanto na realidade distópica como na Matrix com direito a belas tomadas aproveitando a luz solar, proporcionando um contorno áureo aos personagens. E, se falamos de cores aqui, é válido mencionar como a paleta azul dedicada ao figurino do analista interpretado por Neil Patrick Harris não se faz gratuita, nos permitindo pressupor o posicionamento do personagem, sem contar a extravagância das vestimentas de Morpheus em seu reencontro com Neo.
(© Warner Bros. Pictures/Divulgação) |
Por falar em Morpheus, é válido notar como Yahya Abdull-Mateen II não só demonstra uma fascinante escalada como ator, mas honra o personagem então vivido por Laurence Fishburne – e, para aqueles que se preocupam com tal troca, há todo um motivo justificado aqui e que expande a mitologia. Ainda assim, o maior destaque de Matrix Resurrections concentra-se em Bugs, também proporcionando uma escala artística para Jessica Henwick (da terrível série Punho de Ferro) a ponto de estimarmos um futuro da franquia envolvendo sua personagem tão carismática e habilidosa.
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Da composição de cenários que traz bons Easter eggs da franquia e de outras obras da cineasta, daí para a revisão narrativa que se engaja a reconsiderar arquétipos tão engessados (logo quando isso era tão visto como doutrina no primeiro longa), sem se esquecer da brilhante e inspirada montagem de cenas tocando "White Rabbit" de fundo e do divertido desafio em proporcionar outro momento de ação além do bullet time, alcançando uma perseguição noturna tão empolgante e até assustadora.
Não que falar mais sobre o roteiro comprometa a experiência, mas revisitar a Matrix mais uma vez sabendo o mínimo resgata todo aquele fascínio sem precedentes de outrora, mas, cá entre nós, Matrix Resurrections é um presente de Lana Wachowski não menos do que excelente e genial.
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