sábado, 4 de julho de 2015

Divertida Mente | CRÍTICA


Não há um dia sequer em que não passamos por novas experiências que nos proporcionam as mais diversas emoções e, consequentemente, coleções infindáveis de lembranças que permanecerão em nossas mentes a curto ou longo prazo, sejam elas boas ou ruins. Seguindo os conceitos vistos em Divertida Mente (Inside Out), tais lembranças moldam nosso caráter, nossas predileções, nossos laços afetivos – e não há fase pior da nossa vida do que a pré-adolescência para botar tudo isso abaixo. Felizmente, é possível reconstruir com alianças e caminhos inesperados.


Como tradição da Disney·Pixar, um curta é sempre exibido antes da atração principal e, dessa vez, chega a surpreender o fato de Lava ser um filme bastante profundo, logo quando o formato geralmente procura ser algo descontraído. A charmosa balada cantada inicialmente pelo solitário vulcão protagonista serve de fundo para uma trágica história de amor não correspondido por eras não é, de fato, uma experiência completamente feliz. Pelo contrário, há sofrimento na face rochosa do personagem e as passagens do tempo/natureza são cruéis, mas o intemperismo acaba não sendo de todo o mal. Tendo esse eruptivo misto de emoções é que chegamos ao dia-a-dia de Riley, uma menina de 11 anos que passa a entrar em crise a partir do momento em que sua confortável vida em Minnesota é substituída pela cinzenta e apertada rotina em San Francisco.



Assim como o mais que defasado "argumento" de que "desenho é coisa para criança", é presumir que Divertida Mente é uma animação para meninas justamente por trazer, em sua maioria, protagonistas femininas. Acontece que desde o seu início, quando a recém-nascida Riley avista seus pais pela primeira vez, acompanhamos aí uma intensa aventura direcionada tanto para crianças como para adultos, seja dentro ou fora da cabeça da menina, e as situações em que cada membro do quinteto de sentimentos aparece não poderia ser mais engraçada e familiar. A Alegria (Amy Poehler/ Miá Mello) e a Tristeza (Phyllis Smith/ Katiuscia Canoro) aparecem logo nas primeiras horas de vida, enquanto o trio restante, o Medo (Bill Hader/ Otaviano Costa), a Nojinho (Mindy KalingDani Calabresa) e o Raiva (Lewis Black/ Léo Jaime) aparecem com o decorrer do tempo e, respectivamente, na hora das brincadeiras e das refeições. Qual é, quem é que gostava de comer brócolis quando criança?

Diferente do mundo um tanto quanto deprimente e vazio de Up: Altas Aventuras, o diretor e co-roteirista Pete Docter agora tem um vasto universo a explorar, afinal, estamos no campo da mente humana e aqui não falta imaginação. Desde milhares de prateleiras com as mais variadas memórias (numa versão mais colorida da sala das profecias de Harry Potter e a Ordem da Fênix), descartadas periodicamente (e a esmo) pelo "pessoal da manutenção" a uma prisão do subconsciente, guardando coisas inusitadas e até pesadelos, parece que muito pouco passou batido pelos roteiristas. Há também o perigoso e sombrio abismo do esquecimento, uma máquina de fragmentação de pensamentos (uma das cenas mais curiosas, por sinal), amigos imaginários e claro que a apologia ao cinema não poderia faltar. A "cidade dos sonhos" está ali também, com sua entrada lembrando o icônico portão da Paramount, suas respectivas celebridades, vários cenários e o que se vê nesses estúdios, então, é uma verdadeira indústria com produções diárias com iguais roteiros bons e ruins.



Mas toda essa corrida para salvar as memórias-base não seria possível sem o design de produção do filme, e nisso a Pixar nunca para no ponto. O visual do quinteto, inspirado na teoria das cores, tem uma textura peculiar e o porte físico de cada um também é um bom estudo de comportamento e figurino de cada sentimento. Sem contar a sala do painel, que difere para cada pessoa, como por exemplo, a decoração em forma de brinquedo da sala de Riley, contrastando com a de seu pai, um ambiente praticamente escuro e técnico, além de um Raiva no comando. Nessas idas-e-vindas entre mentes, percebe-se então que não é sempre que as impressões sentidas são bem recebidas ou como muitas discussões são cautelosamente pensadas no nosso dia-a-dia, ou nem tanto...

Divertida Mente é intenso e, sendo assim, muita coisa pode passar despercebida, por mais que traga boas risadas consigo. Há um lado sombrio que pesa e muito emociona graças à força das memórias encontradas no meio do caminho, isso sem contar no alerta constante de que sacrifícios são inevitavelmente tomados, lembrando-nos de que não somos passíveis de perdas. 

Todavia, nada impede que, combinando a incompreendida (e muitas vezes insuportável, para os olhos alheios) Tristeza com a ingênua Alegria, pode-se encontrar, finalmente, o amor.




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