quinta-feira, 12 de dezembro de 2024

QUEER – errado é passar vontade | CRÍTICA

Daniel Craig protagoniza QUEER

Paira um grande mal sobre toda pessoa que integra a comunidade LGBTQIA+ quanto a iminente chegada da velhice e, com isso, as chances altas de encarar essa última etapa da vida em solidão e o que tudo mais vem a acarretar. Se a solitude até mesmo na meia-idade continua sendo um estigma na contemporaneidade, para uma época remota em que diversidade sexual era por demais desdenhada, Queer demonstra que viver em uma marginalidade sexual no alto do conservadorismo da década de 1950 era também uma caça a fim de encontrar o amor ideal mesmo que na improbabilidade dos cenários de bares noturnos e quartos baratos.

Adaptando o romance homônimo de William S. Burroughs, Luca Guadagnino regressa ao cinema subvertendo todo o tesão acumulado com que deixou o público ao final de Rivais dispondo uma narrativa muito mais contida, apesar das possibilidades que o título de seu novo longa-metragem oferece, apostando mais no experimentalismo imagético do que numa exposição de teor homoerótico explícito. 

(© MUBI/Reprodução)


Com um Daniel Craig vivendo William Lee, senão um alter-ego de Burroughs, a trama de pós-guerra situada (inicialmente) em vilarejos mexicanos mostra o escritor expatriado como um tarado, dono de um apetite sexual insaciável que busca sempre outros homens para se relacionar conciliando tal rotina com bebidas e outros entorpecentes, além de dedicar um bom papo com seus outros amigos bichas no bar Ship Ahoy, local em que ele vem a se apaixonar por Eugene (Drew Starkey), um jovem frequentador do local.


Ainda que o homoerotismo pareça uma constante em sua filmografia, é curioso como Guadagnino tece uma narrativa completamente distinta a cada nova obra e, por mais que Queer pareça mais próximo de Me Chame Pelo Seu Nome, o tratamento dado aqui segue por outros caminhos que fazem o andamento do roteiro ser mais intrincado, o que pode custar a atenção de quem espera um conto facilmente envolvente. O cineasta olha para esse passado figurado ponderando a era atual de matches, de dates esquecíveis e de love bombings extenuantes; a relação de Lee e Eugene, embora retratada há décadas, é em si um retrato das relações contemporâneas e até mesmo universais: por que se entregar e perdurar com uma pessoa sendo que outras melhores podem estar por aí?


(© MUBI/Reprodução)


Fazendo arte, Guadagnino recorre aos lendários estúdios italianos da CineCittá para fabular esse conto de forma artesanal tal como se faziam antigamente – e é com essa forma nem sempre verossímil que reside o charme de Queer, vide seus cenários criados e intercalados com planos gerais de maquetes urbanas. A brecha da artificialidade, por sinal, é um dos condutores para um terço final deveras experimental e que muito vai chamar a atenção não só pela participação mística e divertida de Lesley Manville, mas por todo o trabalho corporal dedicado pelos atores em uma dança de tirar o fôlego, culminando em uma sequência surrealista como há tempos o Cinema clamava. Alguns efeitos visuais, porém, não parecem lá muito funcionais no início.


De carisma oblíquo, Queer é um filme que, sem dúvidas, desafia e propõe ao espectador se desvencilhar de expectativas (há quem vá mencionar a carência de nu masculino ou de maior tempo de tela para nomes conhecidos no elenco, como Omar Apollo), mas toda a sua entrega, desde os momentos cômicos do personagem de Jason Schwartzman, todos os frenesis de Lee e até mesmo a trilha sonora que tem Nirvana, Caetano Veloso e a volta de Trent Reznor e Atticus Ross, faz com que a obra mereça atenção apesar de seu próprio acanhamento.



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