quinta-feira, 1 de março de 2018

Operação Red Sparrow | CRÍTICA


2017 foi um ano progressivamente positivo para o que se entende por protagonismo feminino na indústria do cinema, todavia longe da estatística esperada por aquelas pessoas que tanto batem na tecla por mudanças no cenário de Hollywood. Enquanto atrizes, diretoras, produtoras e demais profissionais artísticas clamam por mais espaço e visibilidade, roteiristas empreendem-se na construção de personagens femininas mais pró-ativas e independentes da força masculina para atingir seus objetivos (nada domésticos, diga-se de passagem) a ponto de gerar um certo "incômodo" naqueles que pressupõem que tal atitude está desmerecendo o retrato masculino em tela. Depois do êxito de Mulher-Maravilha, do empenho inesgotável da Rey de Star Wars e de toda a desenvoltura de Charlize Theron em Atômica, sem esquecer do trio de guerreiras que ofuscou o herói principal em Pantera Negra, estima-se que haja uma progressão no surgimento de novas personagens seguindo este aprazível modelo e fazer de seu sucesso um exemplo a ser seguido, seja nas telas ou nas ruas, especialmente quando se tem Jennifer Lawrence como estrela de mais uma super-produção. No entanto, o que se vê em Operação Red Sparrow vai na contra-mão de todo o atual empenho exercido na necessária e coerente representação da mulher no cinema.

Adaptado por Justin Haythe (A Cura, O Cavaleiro Solitário) a partir do romance "Roleta Russa" escrito por Jason Matthews, Red Sparrow é uma típica história de espiões circundando perigosas intrigas internacionais atiçando a habitual tensão entre os EUA e a Rússia que, nas mãos do espetaculoso Francis Lawrence (diretor dos três últimos Jogos Vorazes), se projeta como uma mescla terrível de O Assassino: O Primeiro Alvo Kingsman com Cinquenta Tons de Cinza. Assim, a narrativa introduz Dominika Egorova (Lawrence), principal bailarina do Ballet Bolshoi e assistida pela instituição quanto ao sustento e aos amparos de sua mãe debilitada até que é acidentada por uma sabotagem no palco, afastando-na do mesmo. Rancorosa, Dominika é instigada por seu tio (Matthias Schoenaerts) a sentir o gosto de vingança e, posteriormente, a demonstrar seu potencial para se tornar uma espiã pela Escola Sparrow, uma agência russo de serviço secreto de métodos… incomuns. Com físico e mentalidade sedutoras, Dominika é designada a se envolver com o agente americano Nate Nash (Joel Edgerton) que, por sua vez, busca meios de desmascarar as confabulações dos figurões russos e seus planos nada democráticos.

20th Century Fox/Divulgação)

Quisera ser uma narrativa alfinetando Donald Trump e seu polêmico envolvimento com a Rússia nas eleições presidenciais de 2016, o que está em jogo em Red Sparrow mesmo é mostrar um thriller altamente sexualizado por vias que, mediante o cinismo de seu diretor e roteirista, surgem moral e explicitamente errôneas logo em um momento tão conturbado em Hollywood (e acobertado em tantos outros polos audiovisuais). Embora Jennifer Lawrence surja dedicada a entregar uma personagem feminina forte e sem objeções em aparecer nua em pares de cenas, a repulsa é livre mediante duas situações de estupro (nada comedidas em sua violência) e um indicativo de pedofilia, sem contar na estupidez de sua sugestão que o sexo, ao invés de ser uma recompensa para a personagem, seria o único caminho para a obtenção de informações precisas, porém de um jeito bem menos galanteador e romantizado do que os de 007 – não mais tão isento de ressalvas.

Ainda que esse fosse o grande problema da produção, o filme é claudicante em sua trama de gênero tal como no desenvolvimento de sua ação, logo quando parecia seguir os passos da Lorraine Broughton de Atômica e sua habilidade impressionante de se livrar de inimigos pelo combate físico. A todo o instante, a narrativa se divide nas jornadas de Dominika e de Nash, sem contar o núcleo russo (que tem ainda Charlotte RamplingJeremy Irons e Ciarán Hinds forçados a serem burocráticos e com o mais clichê dos sotaques) em todas as suas tramoias segmentadas que retardam os movimentos de ação da protagonista, escassos ao darem predileção para o sadismo e por uma missão tão confusa e mal explicada que, mesmo munida de uma posterior revelação com direito a uma plausível interação de Irons com Lawrence, traz informações cada vez mais desnorteantes ao espectador.

20th Century Fox/Divulgação)

Risível por seu vai-e-vem de falsos sotaques (tendo apenas uma fala em russo!), por apresentar informações confidenciais em disquetes de propriedade de uma senadora pra lá de embriagada (interpretada por Mary-Louise Parker, que mais parece ter saído de um intensivo lecionado por Tommy Wiseau) e pela referência acidental e irônica quanto a Jennifer Lawrence sentar em uma pia, é decepcionante atestar que Operação Red Sparrow pouco ofereça qualidades positivas (o figurino e a fotografia se sobressaem) perante tantos erros (some aí a trilha incessante de James Newton Howard). No fundo, mesmo punindo em cena os devidos agressores (jamais americanos), o filme é mais um título cuja posição auto-indulgente parece instigar a vista grossa para o que acontece em seu próprio solo, onde mulheres têm recorrido ao verbo e à arte para prover um decente manifesto.



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