quarta-feira, 28 de março de 2018

Madame | CRÍTICA


A julgar por sua premissa, Madame teria tudo para ser mais uma comédia romântica daquelas típicas de "princesa por um dia". No entanto, o filme dirigido por Amanda Sthers cujo roteiro leva a assinatura da diretora francesa e do veterano Matthew Robbins (A Colina Escarlate, O Dragão e O Feiticeiro) almeja ser mais do que uma narrativa nos moldes de Cinderela. Ao entregar séries de momentos divertidos como se espera do gênero, a produção francesa é sagaz em sua crítica às fúteis etiquetas da elite que sempre terá Paris para se encontrar e esbanjar.

No filme, o casal magnata americano Anne (Toni Collette) e Bob Fredericks (Harvey Keitel) vivem na capital francesa e tentam corrigir uma crise no casamento tal qual em suas finanças, apesar de viverem muito que bem num casarão com empregadas imigrantes e elegância de sobra. Às vésperas de um jantar promovido por Anne para figuras de alta estirpe – e ditas amigas do casal – no intento de celebrar a venda de uma Santa Ceia pintada por Caravaggio de propriedade da família, quem marca presença de última hora no local é Steven (Tom Hughes), um escritor em bloqueio criativo e fruto do primeiro casamento de Bob e que não perde a oportunidade de provocar os convidados. Alarmada com o azarento número de convidados à mesa, Anne decide recorrer a sua fiel governanta, a espanhola Maria (Rossy de Palma), para se juntar ao jantar, mas com as condições de fingir sua identidade e muito menos abusar na comida e na bebida. Ora, tendo dificilmente provado de tais chiques honrarias e iguarias em qualquer outra circunstância, Maria chama a atenção dos demais por sua aparência peculiar, especialmente do grão-fino irlandês David Morgan (Michel Smiley), que enxerga a suposta fidalga com outros – e quiçá românticos – olhos.

California Filmes / Divulgação)

Sem lá arriscar uma fotografia exuberante, embora seja criativa ao mergulhar os interiores da residência dos Fredericks em penumbra quase que total considerando a crise conjugal que ali se instala, Sthers vai revertendo os paradigmas de sua história enquanto a tensão entre patroa e governanta cresce, demonstrando ótimas performances por parte de Collette e de Palma em um crescente tanto radiante quanto entristecedor. No amplo retrato social que a cineasta enquadra a partir das tantas farpas trocadas nos encontros burgueses, mas sem apontar dedos tendenciosamente maniqueístas para causas de cunhos políticos, a narrativa expõe a futilidade da elite europeia que, em seu regozijo ao luxo, demonstra ser um coro de pessoas que vive à base de um ciclo de traições, recomeços e desprezos pelo outro, especialmente se uma pessoa mais humilde consegue ser feliz com muito menos.

Minucioso por se ater a detalhes visuais excepcionalmente significantes (como as consecutivas vezes que Anne expõe Maria – e a si – ao ridículo), ainda que um pouco claudicante na subtrama amorosa do personagem de Keitel, Madame se faz um bom filme para esta era onde a luta (virtual) de classes beira ao insuportável e se figura admirável em sua esquiva de um final clássico, por mais que prepare o espectador contagiando-no com o ritmo Ragatanga (na versão original das Las Ketchup). Porque, diante das rotinas de aparências isentas de trocas de olhares, é possível que os finais felizes já não se concentrem apenas em seguir os que há de mais previsível nos contos.



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