sexta-feira, 18 de março de 2016

Mundo Cão | CRÍTICA


Boa parte da filmografia do diretor Marcos Jorge nos mostrou que, custe o que custar, seus protagonistas sempre tentarão ficar por cima nas vis (ou não) circunstâncias em que são inseridos. Em O Duelo, o personagem de José Wilker não mediu esforços para desmascarar um comandante charlatão, enquanto Estômago apresentou um personagem que, tirado pra burro, nunca deixou aqueles que lhe enganaram saírem ilesos. Com Mundo Cão, não há chance para escusas, tampouco para o aprofundamento de sua narrativa.


Funcionário de um centro de zoonoses de São Paulo, Santana (Babu Santana) não tem lá uma perspectiva ambiciosa para sua vida, ficando numa rotina de apreender animais na rua, levá-los pro departamento e, na sequência, ir direto para casa, onde janta a comida da esposa Dilza (Adriana Esteves), assiste ao jogo do Corinthians ou vai passar um tempo no seu improvisado estúdio para tocar bateria. Tempo com os filhos, Isaura (Thainá Duarte) e João (Vini Carvalho), fica só na procrastinação e esse pai, tão acomodado, logo vai sentir a diferença de não ter dado a devida atenção para a família que, pra estar reunida de verdade, só mesmo nos cultos evangélicos. Quando Santana e seu colega Ramiro (Paulinho Serra) capturam um rottweiler, mal esperavam que a ocorrência lhes traria mais problemas com o esquentado bandido Nenê (Lázaro Ramos), que controla as máquinas de caça-níquel em botecos do subúrbio. Se um proprietário de bar sai da linha, os dobermanns de Nenê é que dão um trato, já que são treinados pra morder.

Se o primeiro passo de Nenê é aplicar o terror sobre a família Santana, é esse plano eficiente que faz com que o roteiro de Marcos Jorge e Lusa Silvestre se saia melhor nesta primeira parte, e aqui o diretor não se contém ao extrair o carisma de seu elenco conhecido. Enquanto ainda desconhecem o mentor do sequestro que arrasa a família, Adriana Esteves tem uma forte performance que nos faz acreditar na trama, sentir a dor daquela mãe que faz o possível para aumentar a renda de casa, sem esquecer do mérito de Babu Santana em ser mais do que um alívio cômico atrapalhado. Seu personagem oferece empatia sem forçar a barra, daqueles que conseguem ser divertidos (outra boa marca de Jorge ao colocar pitadas de humor sutis quando necessário) e podendo ser implacáveis num instante. O mesmo pode-se dizer de Lázaro Ramos e sua interpretação ameaçadora, senão imprevisível, diferente de boa parte dos seus papéis, mas talvez seja seu bandido o dono de mais ressalvas em Mundo Cão.



Considerando o momento em que Nenê leva João para assistir ao seu primeiro jogo de futebol num estádio de verdade, que inclui uma supérflua cena digital, a trama dá ares de que vai haver um conflito que resultará na redenção dos co-protagonistas, justamente por essa realização do sonho de um menino, tão logo a ser desperdiçado. O que se vê é um duelo que sabe para onde está se direcionando, um suspense que paira no ar, com os descuidos de uma edição típica de um seriado cômico e passagens da trilha sonora que lembram temas de transição de um episódio de A Grande Família.

Dos elementos que são apresentados durante a narrativa e que terão relevância lá na frente, excetuando seus problemas de roteiro, a verdade é que Mundo Cão, por mais que se considere um suspense, está muito mais a frente do que diversas comédias contemporâneas em tempos onde a presunção toma atitudes cada vez mais cruéis.




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